domingo, 31 de março de 2013

Desdobramento de Adalgisa (Carlos Drummond de Andrade)

Os homens preferem duas.
Nenhum amor isolado
Habita o rei Salomão
E seu amplo coração.
Meu rei, a vossa Adalgisa
Virou duas diferentes
Para mais a adorardes.

Sou loura, trêmula, blândula
E morena esfogueteada.
Ando na rua a meu lado,
Colho bocas, olhos, dedos
Pela esquerda e pela direita.
Alguns mal sabem escolher,
Outros misturam depressa
Perna de uma, braço de outra,
E o indiviso sexo aspiram,
Como se as duas fossem uma,
Quando é uma que são duas.

Adalgisa e Adaljosa,
Parti-me para vosso amor
Que tem tantas direções
E em nenhuma se define
Mas em todas se resume.
Saberei multiplicar-me
E em cada praia tereis
Dois, três, quatro, sete corpos
De Adalgisa, a lisa, fria
E quente e áspera Adalgisa,
Numerosa qual Amor.

Se fugirdes para a floresta,
Serei cipó, lagarto, cobra,
Eco de grota na tarde,
Ou serei a humilde folha,
Sombra tímida, silêncio
Entre duas pedras. E o rei
Que se enfarou de Adalgisa
Ainda mais se adalgisará.

Se voardes, se descerdes
Mil pés abaixo do solo,
Se vos matardes alfim,
Serei ar de respiração,
Serei tiro de pistola,
Veneno, corda, Adalgisa,
Adalgisa eterna, os olhos
Luzindo sobre o cadáver.

Sou Adalgisa de fato,
Pensais que sou minha irmã
Ou que me espelho no espelho.
Amai-me e não repareis!
Uma Adalgisa traída
Presto se vinga da outra.
Eu mesma não me limito:
Se viro o rosto me encontro,
Quatro pernas, quatro braços,
Duas cinturas e um
Só desejo de amar.
Sou a quádrupla Adalgisa,
Sou a múltipla, sou a única
E analgésica Adalgisa.
Sorvei-me, gastai-me e ide.
Para onde quer que vades,
O mundo é só Adalgisa.

http://www.youtube.com/watch?v=9zhuQzQHevQ

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